23 de fevereiro de 2019
A menstruação continua a ser um tabu.
Continuamos a pedir tampões ao ouvido de outras mulheres (às vezes desconhecidas), como se estivéssemos a vender droga. Continuamos a correr para a casa de banho com o penso higiénico debaixo da camisola como se estivéssemos a cometer um crime.
O sangue dos anúncios de produtos para o período continua a ser azul. O sangue que sai da minha vagina todos os meses nunca foi azul. O sangue da minha menstruação é vermelho. É da mesma cor do sangue que vemos na cara dos actores do Game Of Thrones.
A mulher não veio da costela do homem. O homem veio do útero da mulher. E ela sangrou.
Continuamos a aceitar que o papel higiénico numa casa de banho pública é gratuito e isso é indiscutível, mas a possibilidade de poder obter tampões e pensos é quase inexistente e nunca gratuita: apesar de sangrarmos todos os meses, da mesma maneira que fazemos xixi ou cócó todos os dias.
Hoje o caixote do lixo da casa de banho pública onde fui dizia: “Agradecemos que coloque unicamente as suas protecções femininas”. E claro que eu nunca pensei que estavam a falar das toalhitas, pensos e tampões ensanguentados. É que isso não é uma "protecção feminina". Isso é MENSTRUAÇÃO.
Protecção feminina é as mães ensinarem as filhas que devem colocar as chaves de casa entre os dedos quando andam à noite sozinhas.
Protecção feminina é quando as mulheres fingem que fazem uma chamada para "um amigo que está mesmo no fundo da rua” quando esperam pelo autocarro depois da meia noite.
Protecção feminina é ir ter com uma mulher num bar como se a conhecêssemos porque ela está a ser assediada e não está a conseguir sair da situação sozinha.
Protecção feminina é fingir que não ouvem metade do que lhes dizem.
Protecção feminina é mudar de passeio na rua, escolher o lugar no autocarro, sair do comboio no último momento antes das portas fecharem para não virem atrás de nós.
Protecção feminina é enviar uma SMS com a matrícula do taxi em que entrámos.
Protecção feminina é não deixar a bebida no balcão.
Protecção feminina é não treinar em determinada máquina no ginásio, apesar de querermos e de estar no nosso plano.
A Cinderela nunca sonhou com um príncipe. O verdadeiro sonho da Cinderela era ter uma noite de folga, um vestido e um transporte seguro para o baile.
O verdadeiro sonho de qualquer mulher é andar tranquila na rua.
O verdadeiro sonho de uma mulher é não pensar no que vestir para andar de transportes públicos.
O verdadeiro sonho de uma mulher é que não façam comentários quando caminha.
O verdadeiro sonho de uma mulher é que não lhe peçam para sorrir ou para ser educada quando a estão a deixar desconfortável.
O verdadeiro sonho de uma mulher é poder exaltar-se, discutir, argumentar, sem que a chamem “histérica”.
O verdadeiro sonho de uma mulher é que o “não" signifique “não”.
O verdadeiro sonho de uma mulher é que a sua palavra e a sua opinião pese tanto como a de um homem.
Porque tudo o que os outros fazem, criam, pensam, executam, as mulheres também. A sangrar.